segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O patriotismo edificante

Por François Silvestre

Dizia Samuel Johnson, se não me trai a Memória, que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. A leitura que faço desse desabafo tem a ver com a desculpa do “patriotismo” para sustentar tiranias ou perseguir desafetos.

A História é pródiga nesse comportamento. Os “patriotismos” de Stalin, Hitler, Salazar, Franco, Pinochet, Videla, Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu, Geisel. É vastíssima a patota dos “patriotas”.

E todos os seus adversários não são inimigos seus. São “inimigos do povo e traidores da pátria”.

Lembro-me de um capitão, nos tempos do serviço militar, que dizia nas “aulas de instrução”: “Esses que nasceram aqui, mas são maus brasileiros”. E eu ficava muito contente porque era confessadamente um “mau brasileiro”.

E vez ou outra eu discutia com esse capitão e outros superiores, nessas aulas de instrução. E aqui faço justiça, eles me tratavam bem. Não eram politiqueiros fardados. Eram apenas militares profissionais, convencidos de que a pátria precisava selecionar os seus filhos.

Rilke Santos, que serviu na mesma Bateria, já contou isso em várias outras oportunidades. Ao dizer: “Aquele recruta magrelo e amarelo discutia com os oficiais e nós nos divertíamos”.

Naquele momento da vida nacional o patriotismo era reivindicado como propriedade de cada lado.

E o pior é que no núcleo dos insatisfeitos com a Ditadura, fogava-se no monturo uma fumaça de ranços pessoais, invejas inconfessáveis e pequenos ódios que ainda hoje habitam mentes e mídia, nesse lamaçal do patriotismo mal resolvido.

Nenhuma pátria sai incólume das ditaduras. E o Brasil é um país que se desloca entre intervalos de exceção e democracia de faz de conta. Hoje é o faz de conta. Tomara que fique assim, a fazer de conta. Do que viver dos restos da desgraça escancarada.

Mas é possível amadurecer? Claro. Basta não fazer do patriotismo um refúgio de canalhas. Deixar a canalhice ter liberdade de ação, sem lhe dar crédito.

O Rio Grande do Norte pariu um Presidente da República, Café Filho. Envolvido pelo “patriotismo” udenista, conspirou contra a democracia, entrando no poder pela fresta estreita da tragédia e dele saindo pelo escancarado portão da melancolia.

João Café Filho só foi um patriota ao defender, no púlpito sindical e advocatício, os interesses populares. Depois, esqueceu sua terra, aposentou seus princípios e entrou na definição de Johnson.

Jânio Quadros e Carlos Lacerda foram dois “patriotas” usurários da pátria.
Em Jânio, a canalhice é tão notória que dispensa argumentação. 

Em Lacerda, basta ler suas Memórias, onde ele afirma não ter qualquer escrúpulo em macular a honra de ninguém desde que servisse ao que ele considerava útil aos seus propósitos de poder.

Patriotismo edificante é o da professora primária, nos grotões das escolas isoladas.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado nomNovo Jornal.

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